Carta - resposta do Cap Fagundes ao Geraldo Vandré pela letra da Canção "Para dizer que não falei de flores".

Relembrando o Cap Fagundes.


Em 1968, o CAP JOÃO BATISTA DA SILVA FAGUNDES, da arma de Engenharia, escreveu carta-resposta a Geraldo Vandré, que lançara em Festival da Canção a música "Para não dizer que não falei de flores" com expressões muito injustas referidas ao ambiente militar.

Carta a Geraldo Vandré:

"Caminhando" ou "Pra Não Dizer que Não Falei das Flores

"... Há soldados perdidos de arma na mão...
... Nos quartéis lhes ensinam antigas lições
... De morrer pela Pátria e viver sem razão...

(Geraldo Vandré)"

 

 

Carta - resposta:

 

Eu sempre gostei de arte,
de música e  violão!
Por isso peço atenção
Ao pobre e singelo aparte.
Que mando cá desta parte
Do fundo do coração,
Ouvindo a tua canção
Que fala sobre os soldados
,E julgas - pelo teu lado
"Perdidos de armas na mão..."
- E vendo a toada bonita
Que deste ao Maracanã
Não pude ficar teu fã
No meio de tanta grita,
Pois eu conheço a desdita
Ao longo desta Nação
E sei que as armas na mão
Não andam sem resultado.
Bendigo todo o soldado
Que cruza o nosso torrão.
 
- Não vi soldados perdidos
Na vastidão deste chão,
Se existem armas na mão
Também existem bandidos...
Gente que perde o sentido
Banhada em tola vaidade
E muito cedo se invade
Por cantilenas descrentes,
Falando em nomes de gentes
Que nunca viu de verdade!
 
- Andei por vales e serras
Sertões, caatingas e matas...
Não trago o ouro nem prata...
Do fundo de tantas terras.
Fui muito feliz na guerra
E fiz gigantesca obra
A qual me deixa de sobra
Bom saldo na vida eterna
,Pois trago a marca na perna
De três picadas de cobra...
 
- Vibrei de emoção um dia
Ouvindo um primeiro trem,
E a gente que o viu também
Chorava ali de alegria.
E em cada apitar sentia
O raio de nova aurora
Dos novos Brasis que agora,
Surgiam naquelas frentes
No meio daquela gente
Que sofre mais do que chora.
 
- Levei à Amazônia as cores
Do nosso verde e amarelo,
Fiz nosso Brasil mais belo
No passo dos meus tratores.
Semeei milhares de flores
Em terra virgem nativa,
Que a gente verde oliva
Pisava por vez primeira
Levando junto à Bandeira
Mensagem mais que altiva.
 
- Semeei milhões de dormentes
Sulcando terra brasileira.
Fiz coisas que na verdade
Nem eram para um tenente!
Fiz partos e arranquei dentes...
Dei aulas, semente e pão.
Do povo - fiz a Nação
E agora vem um Vandré
Dizendo que é tudo em vão!
 
- Por isso sem ter violão
,Também fabrico protesto
Pois vejo neste teu gesto
Pobreza de coração...
Que lança só confusão
No meio do povo inculto,
Mas, nada constrói de vulto
Olhando a tua Nação.
Que te dá paz, luz e pão
Enquanto bradas estulto.
 
- Que trazes junto contigo
Além do violão e o ouro...
Cantando com tal desdouro
Quem nunca negou-te abrigo.
Quisera ver-te comigo
No fundo lá das fronteiras!
Levando a nossa bandeira
A terras de gente nossa,
E ver se ainda essa bossa
Ladrava dessa maneira.
 
- Que sabes tu de pobreza...
Que sabes tu de Nação...
Se os passos que dás no chão
Nem sempre vêm com firmeza
.Jamais sentiste na mesa
A falta do vinho e do pão,
E agora vens ao violão
Com ares lá do Calvário
Fazer da asneira um hinário
Em nome desta Nação...
 
- Não temos velhas lições
No culto da tradição.
Pois ela forja a Nação
O povo das multidões.
Mas tuas fracas canções
Não sentem que esse argumento
É chama, é calor, é alento
É tudo nos bons ideais
Dos bons soldados leais
Que ofendes neste momento.
 
- Nação é povo idealista
,Nação - é feita de ideais
Não são cantigas banais
Das folhas de uma revista
,Ninguém de pequena vista
Verá fundamento ou graça
Nas coisas que dão à raça
Sabor de grande Nação
.São coisas que o teu violão
Não troca pela cachaça...
 
- Tu nunca viste outra frente
Sem ser a do Castelinho,
Por entre copos de vinho
Por entre uísque fluente.
Mal sabes que toda gente
"Perdidas de armas na mão"
É que assegura-te o pão
De filho de papai rico
E evitam calar teu bico
De arauto da ingratidão.
 
- Coitado de ti, meu filho,
Que enterra nobre alento
Com gritos, sem fundamento
Que tanto te ofusca o brilho.
Tu nunca viste em teu brilho
O pranto, a tristeza, a dor,
Rodando em rico motor
Com o sol e praia por lema:
O sol lá de Ipanema
A praia  do Arpoador...
 
- Enquanto aumentas a prata
Na pompa dos festivais
,Há gente boa demais
Lutando por entre as matas
Levando vidinha ingrata
Sem água, sem luz, sem pão,
Pregando a "velha lição"
Que aquilo é terra da gente
E alguém precisa ir à frente
Porque milhares não vão.
 
- Alguém precisa ter raça
Porque milhares não têm!
Alguém precisa também
Zelar por toda esta massa
Antes que a voz da desgraça
Espalhe cantos bestiais,
E à sombra dos festivais
Cultivem gritos de guerra,
Fazendo de nossa terra
Sepulcro dos bons ideais.
 
- Por isso faz heresia
Quem julga velha lição,
Que me foi posta na mão
Nos bancos da Academia,
E hei de sentir um dia
De ver meu Brasil de pé,
Embora vários Vandrés
Se ponham no seu caminho
Tentando lançar espinhos
Nas flores da nossa fé.
 
- As flores que não mataste
Quando pisaste sobre elas
Pois são mais fortes e belas
Que aquelas que lá semeaste
.As tuas nascem sem haste
Sem brilho, sem luz, sem nada,
As minhas nascem douradas
Com muito mais fundamento,
Deixando as tuas ao vento
Na poeira da minha estrada.
 
- Desculpa se de meu posto
Respondo como soldado,
Não pude ficar calado
Com tal ofensa no rosto.
Senti profundo desgosto
Nos gritos da multidão,
E vi que as armas na mão
Não podem ficar de lado,
Bendigo a voz do soldado
Que faz de um povo - a Nação!

 

Itajubá, MG, 10 Nov 68 - João Batista da Silva Fagundes - Cap Eng