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“Acabei de ler com muita emoção o nosso jornal que você abnegadamente mantém. Sei o trabalho que dá. Menino, acostumei-me ao labor do meu pai para botar na rua um hebdomadário, cobrando e colhendo a colaboração dos amigos. Naquela época, os tipos eram compostos à mão, pinçados de uma caixa-colméia (onde as letras iguais ficavam agrupadas nos favos, minúsculas e maiúsculas), e colocados num dispositivo para formar as frases, conformados em colunas que eram amarradas para evitar seus desmontes. Depois eram tiradas as provas e revisados os textos para as devidas correções. Para tal, com um rolo pequeno, lambuzado de tinta impregnava-se a superfície das colunas e depois alisava-se sobre elas o papel. A fase seguinte era a montagem da página do jornal na impressora. A impressão era barulhenta e emocionante. Ver um lado impresso, depois o outro, a dobragem, contagem dos lotes, distribuição aos jornaleiros, que saíam apregoando pela cidade: "Olha o 'Intransigente'!" Depois, por motivos de herança e rixas familiares entre os sucessores proprietários, meu pai deixou o jornal. Fundou o dele:"O Diário de Itabuna"(o outro resistiu mais um ou dois anos e depois desapareceu). Era o tempo das linotipos. Num teclado, você datilografava o artigo e a máquina fundia a liga de chumbo em texto. As máquinas eram caras, por isso as nossas eram de segunda, terceira e quarta mãos, procedentes dos jornais da capital e de S.Paulo. Quando davam defeito (e viviam dando) requisitava-se o técnico de Salvador (uma vez, o defeito era bodoso, um do Rio) a peso de ouro. Nessa fase, obviamente, você pode imaginar, o trabalho do meu pai decuplicou. Os intelectuais amigos colaboravam esporadicamente, quando a inspiração baixava, a musa lhes sorria. O jornal era diário, não havia agência de notícias. Os telefones eram caprichosos, só falavam em condições ideais de umidade, pressão e temperatura. O artifício então era o de escrever várias colunas com pseudônimos e ouvir o Grande Jornal Tupy todas as noites e num ritmo taquigráfico copiar as notícias do Brasil e do Mundo. Por isso, nunca consegui decifrar a caligrafia do meu pai. O jornal tinha colaboradores eméritos, o mais famoso, acho, Adonias Filho. Tinha também o poeta Florisvaldo Mattos, atual editor-chefe de "A Tarde" - o maior jornal da Bahia. Hélio Pólvora, atualmente também colunista dele. Mas eu era fã da poetisa Valdelice Pinheiro, cujos versos impregnados de finura e sentimento, me enterneciam. A maior entrevista realizada por meu pai foi com o vice-presidente Café Filho em uma sua passagem por Itabuna. Há registro fotográfico. Depois meu pai inaugurou a primeira rádio da cidade, a ZYN-28, Rádio Clube de Itabuna. Com a imprensa falada e escrita na mão, nunca se aproveitou, nunca fez política. Era adulado, ficou famoso além dos limites da cidade. Quando não pôde mais arcar com a faina, vendeu a rádio para religiosos e o jornal para um amigo que não teve gás para dar continuidade ao diário, que foi extinto. Hoje, com o advento da informática ficou mais fácil fazer jornal: há uns cinco atualmente na cidade, todos tablóides, todos de cunho político-partidário. O acervo do meu pai, as coleções de 'O Intransigente' e do 'Diário de Itabuna' foram doadas à Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). O tempo passou, meu pai ainda é vivo, caminha para os 94 anos. Faz dois anos, a pedido da comunidade, deram à rua em que mora o nome dele. Minha mãe também é viva. Completarei setenta em agosto e por enquanto, por um fio, tenho ambos os pais vivos. Ele caminhando para 94, ela para 88. Abraços “ Baiano” |