aman 62

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sabres por Savóia

 

Somos frequentemente ensinados que a última carga bem-sucedida de cavalaria aconteceu mais de um século atrás, na Batalha de Omdurman em 1898. Mas a última carga bem-sucedida não aconteceu no Sudão, nem foi realizada pelos britânicos. Aconteceu na Rússia em 1942 e foi realizada pela Cavalaria de Savoia.

 

A última carga de cavalaria bem-sucedida da história é muito mais recente do que pregam alguns historiadores britânicos, diz Nicholas Farrell.

 
 

Somos frequentemente ensinados que a última carga bem-sucedida de cavalaria aconteceu mais de um século atrás, na Batalha de Omdurman em 1898. Mas a última carga bem-sucedida não aconteceu no Sudão, nem foi realizada pelos britânicos. Aconteceu na Rússia em 1942 e foi realizada pela Cavalaria de Savoia.

No começo da Segunda Guerra Mundial ainda havia seis regimentos de cavalaria no Regio Esercito, incluindo o Savoia. Naquele tempo, eles eram parte das três divisões Celere (rápidas) do Exército – dois por divisão. A força completa de cada regimento consistia em 872 homens, 818 cavalos, 39 bicicletas, 6 motocicletas e 17 veículos motorizados. Havia cavalos por toda parte no front russo – 90% do Exército Alemão era puxado a cavalo, por exemplo. Mas somente os cavalos da Savoia atacaram no calor da batalha.

O falecido Andrea Giovene, nascido numa tradicional família ducal de Nápoles, cuja autobiografia, “Sansevero”, conta a história, em primeira pessoa, da Itália na primeira metade do século XX, estava na cavalaria italiana durante a década de 20, anos que viram a ascensão da estrela de Mussolini a tal ponto que Churchill o chamou de “gênio”.


 
 

Em seu livro, uma magistral alternativa italiana à Proust, que é curiosamente negligenciada na Inglaterra, Giovene escreveu:

Nesses regimentos... um espírito feudal reinava – o único exemplo existente em toda a Itália – baseado no que parecia... incorporar o puro senso de nobreza: uma dominação absoluta, mas uma dedicação absoluta do indivíduo em vista do coletivo, num momento de risco”.

Os coronéis, oficiais em comando dos regimentos de cavalaria, eram tratados como divindades. Giovene, um nobre, viu-se “cercado pelos grandes nomes entre a nobreza italiana – e particularmente romana”. Dos 900 jovens que ingressavam na cavalaria como cadetes, somente 30 eram aceitos. E quanto aos cavalos, eles “chutavam, mordiam, relinchavam, erguiam-se imponentemente frente a um obstáculo, raspavam nas árvores e muros para quebrar as pernas dos cavaleiros”. Eles, como os homens, requeriam dominação por quaisquer meios, justos ou não. O objetivo era reduzir 1.000 homens e 1.000 cavalos a “uma força de choque poderosa e homogênea, heróica em sua natureza através da submissão de todos à vontade de um”.


 
 

A Cavalaria de Savoia estava na Rússia desde o verão de 1941, como parte da força de 61.000 homens que compunha o Corpo Expedicionário Italiano (CSIR), completa com oficiais de origem nobre, cavalos ariscos e rituais ancestrais. No verão de 1942, Mussolini ampliou a força italiana na Rússia mandando mais 229.000 homens. Na primavera de 1943, 90.000 tinham morrido e 60.000 tinham sido feito prisioneiros (desses, 10.000 não seriam libertados antes de 1954).

O oficial-comandante dos Savoias tipificava a tradição regimental: o Conde Alessandro Bettoni era dono de duas medalhas de ouro olímpicas em equitação e usava um monóculo. No verão de 1942, seu regimento estava estacionado na linha logo ao sul do Don, 200 km a noroeste de Stalingrado. Ao entardecer de 23 de agosto a Savoia estava em patrulha de reconhecimento quando encontrou uma poderosa força soviética perto de uma vila chamada Isbushenski. Já era tarde, então o Colonello Bettoni ordenou que o regimento desmontasse e formasse um quadrado defensivo. O regimento então se preparou para a noite, o que significava, entre outras coisas, preparar o jantar. Como sempre faziam, os oficiais se sentavam em mesas dobráveis cobertas com toalhas de linho branco; sua comida era servida por ordenanças e apreciada na prataria regimental.

Ao alvorecer, se tornou claro que durante a noite três batalhões de infantaria russa tinham se movido para ameaçar a posição da Savoia, apoiados por unidades de artilharia e metralhadoras. A força russa era muito mais poderosa em números e armas que a Savoia. Apesar disso, o Colonello Bettoni decidiu durante o café da manhã que o momento do regimento tinha chegado. A Savoia iria atacar a linha inimiga a algumas centenas de metros de distância. O terreno era plano, ideal para uma carga – e coberto de brilhantes girassóis amarelos. Lá, na estepe russa, a Savoia iria reviver, pela primeira e única vez na Segunda Guerra Mundial, os gloriosos velhos dias da cavalaria.


 
 

Então, como era tradição antes da batalha, o comandante e seus oficiais colocaram suas luvas brancas e montaram. O regimento consistia em quatro esquadrões de cavalaria com 150 homens cada e um esquadrão de metralhadoras montadas. O primeiro a atacar foi o 2º Esquadrão. Seus oficiais e homens prosseguiram, como em parada, para fora do quadrado defensivo, sacaram sabres e foram em direção ao inimigo, primeiro em trote, depois em cânter, e finalmente em galope, com o grito de guerra regimental “Savoia!”. Eles não gritavam “Duce!”, pois sua lealdade estava com o Rei, o chefe da Casa de Savoia. Mais tarde, um Capitão que tomou parte no ataque se lembrou: “Nas fileiras o entusiasmo era incontrolável, especialmente nos primeiros estágios do galope quando se juntou a nós o Maggiore Manusardi, seguido por seu ordenança. O Maggiore, antigo comandante do 2º Esquadrão, sempre fiel às suas qualidades de soldado, saltou em sua sela para tomar parte num momento tão importante com seus antigos homens... O inimigo foi encolhido em duas linhas: ‘Sabres... em punho... Atacar!’. Era o grito esperado por tanto tempo, o grito com o qual sonhávamos desde a infância. Agora, finalmente, tínhamos chegado ao rugir da batalha, às explosões, e ao zunir das metralhadoras...

O 2º Esquadrão atacou o flanco esquerdo soviético, “aterrorizando o inimigo” de acordo com as memórias do Generale Giovanni Messe, comandante do Corpo Expedicionário Italiano, ao lembrar-se o que ele descreveu como “a beleza épica” das ações da Savoia naquele dia. Os cavaleiros então atacaram novamente o mesmo flanco por trás, “completando o trabalho com granadas de mão”. Bettoni então, nas palavras de Messe, “julgou que o inimigo já tivesse sido abalado”, e ordenou que o 4º Esquadrão desmontasse e atacasse a linha russa pela frente. Isso causou uma retirada em massa dos russos. Finalmente, o Colonello enviou seu 3º Esquadrão para a ação, em outra carga. A vitória foi completa.


 
 
A Savoia tomou 500 prisioneiros russos. O resto havia fugido. Dos seus, 29 soldados e 3 oficiais perderam a vida – foram contados 150 russos mortos. O regimento foi coberto de glórias – 54 Medaglie d’Argento (a segunda maior honraria italiana por bravura) e duas Medaglie d’Oro (a maior). “Vocês foram magníficos. Nós não sabemos mais fazer esse tipo de coisa”, disse um alto-oficial alemão ao Conde Bettoni após a batalha.

Durante a Segunda Guerra Mundial o Exército Italiano ganhou uma reputação de covardia. Esta reputação não é merecida. A razão para a falha militar italiana não foi covardia, mas liderança incompetente, equipamento defasado e pessoas que não se sentiam bem lutando ao lado da Alemanha Nazista. Houve, claro, diversos casos de bravura dos italianos na guerra. Aqueles italianos que tomaram parte na última carga bem-sucedida de cavalaria na história, em 24 de agosto de 1942 nos campos de girassóis do Don, eram bravos ao ponto inconseqüência, ou, como Giovene colocou, ao ponto de terem incorporado o puro senso da nobreza: uma dominação absoluta, mas uma dedicação absoluta do indivíduo em vista do coletivo, num momento de perigo.

Fonte: FARRELL, Nicholas. “Sabres for Savoy”. The Spectator. FindArticles.com. 2 de fevereiro de 2009.