Deus:
que faço após a nave partir
do Porto de Palos?
Que rumo tomará
a nau mar afora,
agora que vê a terra sumir
da vida da gente?

Deus:
que faço ao leme
desse barco à deriva?
O madeira me geme
e as ondas,
vivas como dores,
batem forte.
À volta, tudo se dissolve,
como os meus amores.
Encapela-se a Vida:
o mar não é mais estrada
líquida e plácida.

Deus:
Acordei sem forças para navegar
e a chuva ácida caí como punhais
rasgando os últimos velames,
com a energia de um temporal
a lembrar mares do sul de minha alma
e suas lindas tristes ilhas seculares
lambidas por línguas vendavais
paridas de fissões nucleares.

Deus:
sei que não há retorno
nesse oceano de dor.
Não há portos, ancoradouros
e os neurônios todos choram,
qual criança,
enquanto a nau, minha vida
me aloja, sem esperança,
no fundo desse mar.

 

Autoria: Hiram Câmara
 Rio de Janeiro - RJ - Brasil
Todos os direitos autorais reservados ao autor
Biblioteca Nacional
 

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