aman 62

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

NEWTON BONUMÁ DOS SANTOS


 

 

Fiapos de lembranças ... uma singela homenagem
(Ou, nas palavras do Louzada, uma braçada de saudade)

 

Bonumá... Bonumaço... Bonumec...
Na AMAN, era o cadete-padrão. Nos deslocamentos para o Parque – e olha que o da Cavalaria era lá no finzão – após a hora da tora, lá estava ele, sempre imóvel, posição correta, olhando para frente. Por isso, quando ele era o sargento de dia, me via na obrigação de seguir-lhe o exemplo, numa espécie de contrapartida. Quando algum de nós conversava, ou mexia, ou olhava para o lado, ele não o enquadrava. Era disciplina consciente pura. Eu era “laranjeira” e um fim de semana ele me levou para passar em sua casa. Lembro-me de sua mãe, uma senhora alta, elegante, simpática como todos os cariocas, e seu pai, um gauchão, coronel aposentado que, morando nas Laranjeiras, dizia-me: “Eu não sei o que estou fazendo aqui, que não volto para o Alegrete!”


Tenentes, fomos instrutores na Academia na mesma época; ele, no Curso de Cavalaria e eu, no Básico. Em 1967, fomos voluntários para o Curso de Comandos 67-1, junto com outros instrutores e monitores do Corpo de Cadetes, que a Brigada Paraquedista conduziu na AMAN, para atender solicitação do Comando, que havia criado o então DIEsp, depois SIEsp. Foi com ele que aprendi a fazer o “nó de guia” (“nó de soga” para os gaúchos), fundamental para o curso. Ele havia sido escoteiro. Nunca mais esqueci o método mnemônico que ele me ensinou: “a cobra sai do lago, dá a volta na palmeira e volta para o lago”. Nas refeições em que era consumida ração operacional, não tinha “paciência” para aquecer as latinhas e as consumia assim, ao natural, com toda aquela nata boiando. Durante o curso, um de nossos estágios era aplicar um, aos cadetes do 2º ano (aspirantes de 1969). Como o DIEsp estava começando, embora o planejamento fosse seguido à risca, havia espaço para improvisações, e com nossa criatividade, dar um toque a mais de realismo para os cadetes. Uma vez, uma patrulha noturna perdeu-se e chegou à base de madrugada, o pessoal cansado, estropiado, com a moral lá embaixo. O Bonumá estava na área do cerimonial, esperando-a e ao vê-los, gritava com aquela sua voz esganiçada: “Comandante, comandante! Veja como o escalão superior é previdente: mandou tropa nova, descansada, no lugar daqueles incompetentes que saíram à noite e até agora não voltaram! Senhores! Vamos fazer alguns exercícios para aquecer; vocês estão frios e não podem sair assim para a nova missão que os espera...” Quem imaginaria uma atitude dessas, dele. Mas era o “clima” da área e nós estávamos em um curso de comandos... Quando o nosso curso terminou, constatou-se que dos doze que o concluímos com êxito, nove havíamos contraído leishmaniose. Durante o ano de 1968, ficamos nos tratando, ao mesmo tempo que mobiliávamos o DIEsp, nos estágios dos cadetes. Nosso tratamento foi feito no Instituto Manguinhos; uma vez por mês íamos até lá para controle da doença. Ele desenvolveu uma ferida feia na canela, mas foi um dos primeiros a parar de tomar glucantime. Felizmente, todos ficamos curados e sem sequelas. Em 1968, nasceu seu primogênito, Alexandre. O parto foi no Rio, em um fim de semana, acho que um sábado. Quando ele recebeu a notícia, não havia mais ônibus de Resende; por isso, convidou-me a ir com ele, no Gordini, até Barra Mansa, para que pudesse tomar o ônibus; eu voltei, dirigindo o Gordini.


Na EsAO, um dia ele foi almoçar lá em casa. Levou um buquê de flores para Tânia – um buquê simples, que refletia bem o seu jeito que todos conhecíamos – e fez muita festa para nossa primogênita, que tinha alguns meses de idade. Fez questão de dizer que preferia as meninas, porque eram mais amáveis, mais bonitas... tudo para nos agradar. Era a gentileza em pessoa. Quando conversávamos sobre a nossa experiência profissional, divertia-se contando que, no Quinze, onde fora aspirante, o comandante – que fora o comandante do esquadrão de Cavalaria da FEB – levava os oficiais para praticar equitação, não sei se nos Dragões ou no REsC; em contrapartida, os oficiais dessa unidade iam ao Regimento fazer maneabilidade nos M113 e passavam maus momentos, fechados nos blindados.


Fomos contemporâneos na ECEME, tendo-se formado um ano antes de mim. Garantiu-me que nunca abriu nenhum “telegrama” das provas; quando lhe perguntava como havia saído nelas, me dizia que não sabia, mas que achava que a solução que havia dado era “muito bonita”. A fórmula deu certo, pois concluiu o curso com conceito MB. Deu-me para ler sua monografia. Dela guardei um detalhe: na citação do autor da frase que encabeçava o texto, ele não colocou “fulano de tal”, mas “frase atribuída a fulano de tal”.


Fui convidado para substituí-lo no comando do Corpo de Alunos da EsPCEx, porque ele havia sido aprovado no concurso e nomeado instrutor de português em West Point. Quando assumi, não nos encontramos, porque ele já havia seguido destino para essa missão.


Eu o admirava muito. Considerava-o um profissional da melhor qualidade. Era benquisto, não só por nós de Cavalaria, mas por todos os oficiais que o conheciam.


Como era esperado, ascendeu ao generalato:


– Comandante da 4ª Brigada de Infantaria Motorizada...


– Missão no exterior: chefe dos observadores militares da ONU, na Bósnia...


– Comandante da Brigada de Aviação do Exército...


– Aluno da ESG...


– A reserva...

 

– ... O câncer fulminante...


E lá se foi nosso companheiro.


Que Deus o tenha, junto com os demais “tuducaxes” que, como ele, nos precederam na derradeira transferência.

 

JANIR LORETO DE MORAES