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Adeus ao cadete Orestes

 

 

Gamaliel Noronha

 

 

Depois de concluir o então curso científico na Escola Preparatória de Fortaleza (1957-1959), decidi por voltar à vida civil em busca de meus sonhos forjados ainda na infância quando o meu “microfone” era um cabo de vassoura com uma lata de leite condensado na ponta. A propósito, lembra hoje o sempre amigo coronel Stélio Ramalho Bezerra, companheiro de turma naquela escola de ensino militar do Exército, que, na época, nos intervalos das aulas, era um cinzeiro que eu empunhava, simbolizando o mesmo instrumento de trabalho do profissional de rádio.
E foi assim que, em 1º de julho de 1960, já me encontrava como redator da Rádio Dragão do Mar de Fortaleza, quando, então, escrevi este artigo para a “Revista Ilustrada Martini”, noticiário matutino daquela emissora que passaria a ser, durante quase dez anos, o meu primeiro referencial como militante da comunicação.
Na crônica, recordo os dias de caserna e lamento a perda prematura de um querido colega de farda.

 

Tudo se iniciava com os primeiros raios da luz do dia.
A corneta dava os últimos acordes da alvorada e voltávamos à rotina diária até quando, já pelas tantas horas da madrugada, a fadiga dos exercícios físicos e o cansaço mental das aulas e estudos obrigatórios levavam-nos, novamente, às camas dos alojamentos.
Isto ainda continua se repetindo, diariamente, no interior do velho quartel da Escola Preparatória de Fortaleza, a querida EPF, onde suas paredes amarelas guardam segredos de gerações passadas, desde os tempos idos do Colégio Militar do Ceará. O cronista sentiu por três anos aquela maneira de viver, ao lado de vários companheiros, jovens que se dedicam com ardor à carreira das armas.
A vibração militar, a estrela de oficialato ao longe e as futuras promoções enchem a imaginação dos esperançosos rapazes. Tenho certeza de que o Orestes pensava nisto. Seus modos de bom aluno, simples, calado, demonstravam, mesmo no início da profissão, o disciplinado tenente que guiaria os soldados, o grande capitão que responderia, não muito longe, por uma responsabilidade ainda maior.
Veio então a Academia Militar das Agulhas Negras. Aquele punhado de jovens recebeu a nova labuta com força de titãs e a invencível vontade dos que se dedicam à profissão verdadeiramente sua.
E, assim, chegou o meio do ano. Os cadetes seguiam de ônibus para o Rio de Janeiro, no ensejo de gozarem as primeiras férias na Cidade Maravilhosa. No meio deles, lá em um dos últimos bancos de transporte coletivo, estava o Orestes, pensativo em sua família aqui do distante Ceará. A primeira etapa fora vencida, dizia ele para si mesmo. E, em sua imaginação, surgiam as feições de sua querida mãe, esperando ansiosa que o fim do ano trouxesse de volta ao seu lar o filho estimado. Foi este, talvez, o último pensamento de Orestes. O ônibus lança-se despenhadeiro abaixo numa virada trágica, a lamentável causa que trouxe Orestes de volta à Fortaleza antes da época prevista por sua mãe, por mim e por todos os seus inúmeros colegas de quarteirão, na avenida Dom Manuel.
Sim, o caro companheiro das noites mal dormidas sobre livros e cadernos repousa, agora e para sempre, no solo de sua terra natal. O Cemitério de São João Batista pareceu mais triste ao cair daquela tarde. A namorada do rapaz chorava ao lado de sua tia. A inconformada mãe não tivera forças para vir presenciar o filho descer à sua última morada.
Enquanto isso, o mesmo clarim das manhãs e noites de EPF, indiferente, anunciava um silêncio eterno para Orestes…

 

(Extraído de www.blog.gamalielnoronha.com.br)

 

N.R.: A crônica foi escrita como homenagem póstuma ao Cad do1º ano da AMAN,  ORESTES Praxedes Costa, um dos três que  faleceram no acidente do “Ônibus Sete”do comboio que se deslocava de Resende para o Rio de Janeiro, na Serra das Araras, no dia 24 Jun 1960.- Orestes era um integrante da TUDUCAX.