aman 62

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Oportunidade para mudanças  (*)


Era um dezembro ao raiar do século XX; era exatamente o seu primeiro ano. Joaquim Maria Machado de Assis, o grande escritor, considerado por muitos um dos maiores nomes – possivelmente o maior –  da literatura brasileira, propõe-se a escrever um soneto em que revisitaria passagens marcantes de pretéritas noites de Natal:  “relembrar os dias de pequeno, e a viva dança e a lépida cantiga”.

 

Estava, porém, agora, diante de novos tempos, de épocas de intensas mudanças: os primeiros saltos tecnológicos no campo dos transportes - como o desenvolvimento da aviação e do automóvel – , a Psicanálise proposta por Sigmund Freud, a Teoria da Relatividade apresentada por Einsten, o início da chamada Arte Moderna com os movimentos culturais pós-romantismo, guerras pelo mundo e, no Brasil,  particularmente no campo político-social, a Abolição da escravatura e a grande mudança, quando a República substituiu o Império.

 

O eu-lírico, mergulhado naquele emaranhado de preocupações e dúvidas, se dá conta de que seria vã a sua tentativa, em presença do turbilhão de ideias que o açoita e das preocupações que lhe acorrem à mente. Vencido, o poeta confessa que “a pena frouxa e manca” não acode aquele seu intento de voltar no tempo. Desiste, então, da ideia original, mas não sem deixar de nos legar uma de suas preciosas pérolas: “MUDARIA O NATAL OU MUDEI EU ?”

 

Se a intrigante questão ali lançada, de lá para cá, com constância, nos ocorre e, até por vezes, nos aflige – eis que nunca nos faltaram motivos para tal ! –, o final deste ano parece merecê-la com razão superior.  Os tempos guardam, todos, muitas semelhanças entre si: ódios e paixões; aproximações e antagonismos; incompreensões e tolerâncias; eventualmente algum perdão profundo e verdadeiro... É este o enredo desde que o mundo é mundo.

 

Mas o Natal de 2020 aproxima-se em meio a dias muito sui-generis. Desta vez não foi, por exemplo, o avanço tecnológico a razão de nossa maior atenção: a recente conexão 5G, a nuvem, assambarcando infinita informação, as redes sociais, os e-mails e WhatsApps, revolucionando a maneira de nos comunicarmos deixaram de desempenhar o protagonismo. Estamos, sim, envolvidos na atmosfera de uma conjuntura pouco vivida e de um sentimento de angústia, ante experiência tão incomum de receio e de alarme. Tudo fruto da chegada, do desdobramento e do incógnito destino de uma teimosa pandemia.

 

Em todos os continentes estamos trancados e temerosos em nossas casas, ou exibindo, nas ruas, a preocupação, atrás de máscaras, sob a ameaça de um inimigo sem dimensão física aos olhos, que, no entanto,  assombra  todos, sem predileção por raça, por religião ou por qualquer outro desígnio, escolha ou preferência. Eis justamente aí o gancho para a reflexão que não devemos deixar passar em vão: está na hora de repararmos mais em nossas semelhanças, e de tirarmos o melhor proveito das nossas desigualdades e idiossincrasias. Que bela oportunidade para mudanças!

 

E sob tal meditação, havemos de encontrar razões de sobra para imaginarmos que a humanidade há de sair de tudo isso fortalecida, purificada.  Para tanto, as palavras de ordem são: crença, esperança, fé, confiança e muito mais fraternidade, amor e acolhimento.

“Mudaria o Natal, ou mudei eu ?”
Que tenhamos todos o propósito de mudar para melhor !
FELIZ NATAL !!!

 

 (*) Fernando Velloso, Revista Águas Claras - Dez/2020