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Crônicas do Cruzeiro Marítimo no Opera

Opera bem afinada (I)

 

Hiram Câmara

25 de novembro

O dia estava prometendo: claro, sol, nada melhor para se ir "al mare". E, para marinheiros de primeira viagem, como a maioria dos trinta casais, e poucos solteiros, tudo era novidade. Mas, enfim, depois de um ano de planejamentos e atividades preparatórias, para as quais, nosso agente da operadora, Luiz Pretzel, foi um precioso aliado, o dia 25 já vinha tardando.

Aos poucos, cada um foi chegando à Estação de Embarque,a maioria antes do meio-dia, hora marcada para começar o check-in.

E, em tempos de grandes desconfianças no que se refere a bagagens em Aeroportos, habituados a tomar conta das malas como se fossem pessoas queridas, logo à chegada ao porto, estranha-se o fato de se ter que entregar a bagagem, sem receber nenhuma prova da entrega.

Difícil imaginar que, ali, tão parte de nossa sociedade como outros locais, ainda valha a confiança, o que de há muito parecia haver desaparecido no Brasil. Mas, a rigor, foi com preocupação, que confiamos. Bem a rigor, mesmo, o que passava pela cabeça da maioria era: se confiar é preciso, vamos lá. Sem dúvida, era uma confiança rala, com sabor de desconfiança velada, flagrante no gesto de anotar o nome do funcionário que as recebia. Porque as malas foram entregues sem qualquer recibo. Apenas, a garantia verbal do jovem agente da operadora, de que tudo estava em ordem, que era assim mesmo, que podia confiar, que as bagagens seriam entregues nas cabines. Confiamos, pois.

Agora, era caminhar até a Estação de Embarque e esperar a hora do Check-in. Para isto, formava-se uma fila pequena a cada grupo que chegava, e logo se recebia a senha de atendimento. E com um detalhe: os que tinham mais de 65 anos (creio que a esta altura, mesmo os preocupados com a idade, já tenham completado 65 anos) não precisariam entrar em longas filas no check-in: os idosos que somos temos prioridade de atendimento, e para isto, nosso bilhete tinha que receber uma marca, logo chamada de "bolinha verde". Bem, considerando que, pelas estatísticas, o maior coningente a embarcar é de pessoas com idade mais avançada, tal prioridade é relativa, pois a tal bolinha verde parecia estar em todos os bilhetes na grande estação de embarque. Mas ajuda: se os "velhinhos" se adiantarem, são atendidos na frente.

Mas no final, isto é irrelevante, pois o tempo para o check-in é mais do que suficiente .

Check-in feito (identidade IPF, de preferência; cartão de crédito internacional ou 200 dólares de depósito), pode-se entrar no espaço destinado aos "checkinizados", tendo a mão o cartão magnético recebido da jovem operadora, após sermos fotografados e termos nossa imagem gravada em sua memória .

Assim , passamos da Estação de embarque para o cais, onde estavam ancorados dois transatlânticos.

Ali estava o OPERA. Um deslumbramento.

Embora, poucos a isso se referissem, era impossível não se lembrar dos momentos que antecederam, no filme famoso, o embarque no Titanic. Nada que se referisse ao desastre, mas ao momento em que os passageiros daquele que era o mais seguro e maior transatlântico do mundo, deslumbravam-se com as dimensões e a beleza do enorme navio. Isto porque, ao ver o OPERA de perto, com o dobro do Titanic, em extensão, largura e altura( 11 decks-um edifício de 11 andares), com 750 tripulantes e 2050 passageiros, não há como não se extasiar. Logo ouviu-se um comentário sobre as caravelas, sobre Cabral, Colombo, Santa Maria, Pinta e Nina. Muita coragem, muita determinação, muito conhecimento náutico.

Fora aquela conjectura histórica, restava a certeza geográfica de que não haveria icebergs até Santos, Ao menos por enquanto, pois sabemos lá, com todas essas mudanças climáticas que têm ocorrido por aí.

Há algo, no entanto, que não mudou desde as caravelas até nossos dias. Entra-se no navio, por uma passarela. Antes, eram tábuas. Hoje uma passarela sofisticada, mas basicamente, uma tábua "metida à besta". assim, o conceito da peça continua o mesmo: uma tábua para passar em cima e entrar pelo "portaló".

Só aí, somos promovidos à categoria de passageiros, ser humano à parte, cuja única razão na vida, por quatro dias, é jogar papo fora, preocupar-se com o próximo minuto, para só fazer o que quiser, e comer, porque ninguém é de ferro, e a toda hora puxar o cartão magnético para registrar mais uma geladinha.

Desde o momento em que damos entrada no barco, quando o entregamos para confirmar a identificação, este cartão nos acompanhará até o desembarque final, como se nele, ao gravarmos a foto, tivéssemos deixado nossas almas. Um dia, creio, a água do banho e a do vaso sanitário, não necessariamente nesta ordem, dependerá do cartão. Sem ele, não existimos no navio. Pois, se servirá, basicamente para registrar despesas, sem ele, por outro lado, não se abre a cabine.

Confirmados como passageiros, já dentro do navio, no 5o deck, que seria nosso deck básico, com muitas facilidades, em seguida, o fotógrafo oficial do navio, fez a foto de cada casal ou de cada passageiro-solo. Essas fotos, posteriormente adquiridas pela Comissão, fizeram parte do pacote distribuído aos companheiros Tuducax e seus convidados , ainda durante a viagem.

A preocupação, então, passou a ser comum: confiáramos na entrega das bagagens. Estariam nas cabines? Nas cabines certas? De um modo geral, sim. Houve malas que demoraram mais do que o normal (o horário era até às 16 horas) para serem entregues. Esclarecidos os motivos, que ficaram longe de serem 51, restou a boa idéia de liberá-las logo.

À medida em que se recebia as bagagens, lembrava-se hora da primeira refeição a bordo: o almoço.

Mas alimentação em um cruzeiro é uma capítulo à parte.

Um transatlântico, aprendemos todos, neste, pode ser caracterizado de forma variada: um edificio flutuante, um shopping flutuante; um hotel flutuante. Um sonho flutuante. Mas, antes de tudo, é um paraíso gastronômico flutuante.

Acorda-se comendo, almoça-se entre 13 e 17 horas, lancha-se às 17, logo se adequa ao horário em outro restaurante senão aquele refinado para o qual estamos destinados, com mesa marcada, e, então, às 19, faz-se a chamada "boquinha", depois cumpre-se o ritual do jantar de lugar marcado, às 23, e se conseguir, ceia-se à 1 da manhã. Além disso, há os "fast-food". A churrascaria. A padaria e doceria. Há, ainda, a pizzaria, pois, no navio, tudo pode acabar em pizza e ninguém reclama, nem os de bombordo, nem os de boreste. Quer dizer: há razões sobejas para quem quiser passar o dia comendo. Basta ir peregrinando de restaurante em restaurante. É como se uma pessoa tivesse liberdade de entrar em um shoppinge e comer quatro dias em todos os restaurantes de todas as praças de alimentação.

Creio mesmo que se o Valle ( o Acilino) tivesse viajado, teria engordado bem umas cem gramas e criado uma rotunda barriguinha, como naquela vez em que engoliu um caroço de azeitona no coquetel do CIMAN.

Podemos sintetizar: quem se cuida, quem gosta de comer pouco, de fazer dieta a sério, etc, quer dizer, quem se segura, se controla, fica na classe dos que comeram nada menos do que muito .

Quem não teve essas preocupações, esteja certo: comeu MUITO, em todo o cruzeiro.

Bem, retornando ao programa do dia 25, com a questão das bagagens e da arrumação das suítes, o primeiro almoço do cruzeiro, realizado em quaisquer dos restaurantes, caracterizou-se pelas longas filas, pela disputa de mesas e, por vezes, de cadeiras.

Mas a refeição era farta e saborosa. O que justificava a "rep".

Logo se aprendeu que casal não repete prato, ao mesmo tempo. Um entra na fila, serve-se da "rep", enquanto o outro se posta de sentinela à cadeira e ao talher, antes que desapareçam.

O aprendizado levou a que, nos self-services, o hábito de servir-se primeiro de salada, entrada, depois voltar para se servir de um prato, depois retornar para complementar seu serviço, teria de ser reformulado, pois a cada retorno, teria de enfrentar uma grande fila. Talvez, por esse motivo, em refeições futuras, observávamos algumas pessoas que tinham seus rostos escondidos pela altura do prato servido. Isto não ocorria no Restaurante Caravelle, servido à la Carte, onde não havia fila. Mas observava-se que para satisfação de seus usuários normais, a preferência da maioria era pelo self-service, apesar de volume de clientes.

Após o almoço, muitos partiram em patrulha de reconhecimento pelo navio. Depois de quatro dias, tive uma leve noção. E não pudemos entrar em algumas áreas vedadas aos passageiros, o que não fez falta alguma, embora, para os solteiros tivesse sido interessante ter acesso livre ao 4o. deck, onde se alojam as lindas bailarinas russas dos shows noturnos, que segundo a lenda, só podiam sair do 4o deck para transitar no navio , uma hora antes e uma hora depois dos shows noturnos. Às quatro da tarde, o navio ainda ancorado, recostei-me na cabine, esperando a hora do coquetel, primeira atividade social Tuducax da viagem, às seis da tarde. Às sete, abri os olhos.

Segundo soube, foi uma beleza, e nele, foi tirada a fotografia do grupo . A foto do grupo também seria distribuída pela Comissão a todos os participantes, e por favor, quando a olharem, imaginem mais duas pessoas nela. E, fiquem certos de que, desta vez, no meu alojamento, não havia plantão da hora para levar a culpa.

Restava-me partir para a "ponte", que qualquer "milico" chamaria de passadiço. Ali, elegantes e mais uma vez extasiados, todos observavam a partida do Opera, deixando a Baía de Guanabara. Bairrismo fora, é um espetáculo inesquecível. Mais ainda do que fotografado e filmado, a imagem ficará impressa no espírito de cada um.

Bem, aproximava-se o horário do jantar no Restaurante principal, com lugar marcado, do primeiro turno. Como nosso grupo optara pelo segundo, havia um show excelente, no horário, no maravilhoso teatro de bordo, para mais de mil pessoas, com todos os requintes cênicos de um moderno teatro. Depois do show, então, o jantar: perfeito. Só que uma alteração da organização do navio , tornou-o muito tarde, horário ao qual nenhum dos participantes estava habituado: 22:45hs.
Primeiro jantar a bordo, e cercado por certa expectativa, acabou sendo muito criticado desfavoravelmente, por várias razões. Uns, acharam a comida fria. Outros, o serviço muito lento. Houve quem achasse o serviço muito ruim. Na minha mesa, o primeiro jantar ficou marcado por oito crustáceos: um de nós, que pedira um peixe com molho de camarão, anunciou, após pesquisa microscópica no rato: - " Achei um camarão!" Era um daqueles filhotes que não passariam pelo teste dos defensores da espécie: diâmetro aproximado de meio centímetro. Outro, já com ar gozador, replicou pouco depois, com a evidência espetada no garfo: " Eu tenho dois!". Eu tinha dois, minúsculos, também, como os demais. Aí, Cláudia anunciou: " no meu prato tem três!". E ouviu-se de alguém: "BINGO!" e ela foi considerada vencedora.

No dia seguinte, as críticas mais fortes eram para a quantidade servida e para o serviço em si, que nas mesas próximas, era relaizado por dois garçons: um romeno, que logo recebeu o comentário de " muito baseado ", nada a ver com conotações mais modernas, mas com nossa velha caracterização desde os tempos de AMAN: metido , que ultrapassa os limites ; e um indonésio muito simpático, que falava pouco inglês, nenhum português, nenhum espanhol, nada. De modo, que a este, podia-se pedir qualquer prato, com a certeza de que ele não entenderia. Um dos dois, o cliente ou ele, acabava sendo vencido pelo cansaço, após mímica, texto de cardápio e ajuda do companheiro " baseado ", que falava romeno, inglês, francês, um pouco de português, o suficiente para traduzir, na mesa do Danillo e do Genuino, um pudim do cardápio, de nome estranho, como uma coisa parecida com " bunda mole ", o que, positivamente, não caiu bem, em meio àquela elegância toda.

Já na segunda noite, depois de uma "adequação" comportamental- conversa com o maître - ficou nítido que o "baseado " era muito inteligente e certamente, como outros, ali estava para conhecer outras terras e linguas, e ganhar dinheiro, mas devia ser muito mais do que garçom. Era muito espirituoso, mas aparentava um ar de superioridade em relação a ADI, o garçom indonésio.

ADI com seu enorme sorriso de boca inteira, mais ressaltado pelo tamanho do corpo mignon que envolvia a boca, a cada risada gostosa que soltava, ganhou a preferência de nossa mesa, ainda que não compreendesse o pedido. Era muito divertido e entrou nas brincadeiras com idioma, inclusive quando entendendo que eu nada falava de chinês, nem ele, entabolou uma conversa comigo, que até agora, acho que impressionou o Laércio, com a fluência de meu "mandarim".

Nesta primeira noite, depois do jantar, houve quem aproveitasse ainda o som do piano-bar, onde um duo (piano e voz feminina) cantava em italiano; outros foram para a boate; outros para aulas de dança, como a salsa, tão em voga nesta América del Sur, desses novos tempos.

Depois de ouvir um pouco de música italiana, fui dormir.

Mas, ao chegar à cabine, abri a porta que dava para a varanda.E, então, recebi o maior prêmio do primeiro dia.

Um céu profundo, pleno de estrelas, como não via desde Cadete. Lembrei-me de uma noite fria de lua nova, em 1962, próximo à Itatiaia, com o Curso de Infantaria aguardando o amanhecer para que a Engenharia apoiasse uma transposição do Paraíba. Todos estavam deitados, e a maioria olhava o céu, maravilhosamente estrelado e - não sei se ele se lembra- conversávamos - Pádua e eu - olhando aquela beleza de céu, sem interferência das luzes da cidade, quando alguém chamou a atenção para o "Sputinik" , que brilhava duas vezes seguidas a cada bip-bi p que enviava para a Terra.

Desta vez, sentado na varanda da cabine externa do OPERA, se não havia o "Sputinik ", eu estava sendo brindado, com uma lua esplêndida, que deixava seu rastro de luz na água até se unir à espuma branca que o Opera produzia ao rasgar as ondas, em desenhos variados, na mais pura tranqüilidade. Aquela beleza tirou-me o sono. Ali fiquei mais de uma hora, mergulhado no céu. Inesquecível. E me chamou a atenção, também, o fato de que não havia o mais leve balanço, como se não estivéssemos em um navio. O Opera atuava em plena harmonia com nossas expectativas, e naquele imenso teatro de cenário natural, interpretava seu papel, suave, muito bem afinado, pianíssimo.

Uma forma quase silenciosa de repetir o que o Diretor dos Shows nos havia levado a extravazar no teatro do navio: ÓOOOTIMO!

Outras novidades nos aguardavam, n o dia seguinte, 26 de novembro, já ancorados em Santos, quando acordei, sonhando com o coquetel .

FIM DO PRIMEIRO RELATO