CRÔNICA

 

FOTO CEARÁ,
A HISTÓRIA DE MEU PAI

 

Rua Major Facundo, 669. Centro de Fortaleza. Ali estava o estabelecimento Foto Ceará, pertencente ao meu pai, Jaime Marques dos Santos. Anos cinquenta. O prédio era sólido, fachada alta, com duas portas, batentes de pedra bem acima do piso da calçada. Exigiam algum esforço para se entrar. O mobiliário era muito simples: um balcão duplo, com vitrines para frente, com fotografias grandes expostas, um mostruário para retratos 3x4, que os fregueses apontavam “este aqui”. Havia no canto, formando pequeno ângulo, uma estante onde eram guardados caixas de papel para cópias, filmes 120, algumas raras máquinas fotográficas para venda, etc. Havia uma mesinha baixa com um jarro de flores com uma cadeira ao lado para a atendente sentar e descansar. Por trás, um cofre muito grande onde meu pai guardava sua “Rolei Flex” E O Flash eletrônico. Guardava também a renda ou apurado do dia ou da semana. Existia uma pequena mesa tipo birô, com três gavetas laterais e uma cadeira de vime: ali era a base de meu pai sentar e conversar com os amigos e fregueses. Encostado à parede lateral direita, um conjunto de sofá e duas cadeiras de braços em palhinha, para os fregueses fazerem hora, esperando os seus retratos. Passando pela recepção, tinha-se logo adiante um móvel misto de porta-chapéus e guarda-chuvas, com espelho grande, uma pequena pia e pente de plantão (para os esquecidos ou desprovidos de pente). Depois de pronto, o freguês entrava no estúdio, sentava sobre pequena mesa, olhava à frente, o fotógrafo dava um traquejo, e acendia os refletores. A máquina fotográfica estava fixa num tripé, possuía aquele pano preto imenso onde se escondia o fotógrafo para enquadrar o objetivo, e possuía um ponto branco para onde devia o freguês olhar firme. Com um rápido “clique”, estava batido o retrato. O mais tradicional retrato era o procuradíssimo 3x4 para identidade escolar e outras identidades, assim como a foto de “estúdio” o sujeito fazia pose de galã. Já no interior do estúdio, para a alegria da criançada meu pai colocou ali um cavalinho de massa com sela e arreamentos, uma charrete e uma bicicleta com apoio laterais. Você podia inventar e era atendido a contento. Havia um questionamento sobre a eficiência dos serviços: o cliente sempre dizia, meio desconfiado: “não deixe de aprontar o retrato que eu vou viajar”! Este fraseado, eu ouvi muito e coloquei na memória para sempre. Adentrando um pouco mais, à direita, chegava-se à câmara escura onde eram revelados os filmes e chapas, com banheiras para revelação e fixadores, potes de vidro contendo produtos químicos, uma máquina de ampliar e uma pia com torneira e água corrente. Uma lâmpada vermelha era item essencial na fotoquímica e servia de orientação se entrar e sair. Em cima desta câmara escura, cuja estrutura era até razoável, havia um mundo de trastes: caixas de madeira, cadeiras quebradas, velhos refletores abandonados, baús, malas – nada se podia jogar fora. Nunca consegui saber o porquê, mas eram ordens do meu aos empregados. Geralmente, às segundas-feiras, eram fixadas em cartolina, as “provas” numeradas das festas de formaturas, outras grandes festas nos clubes sociais da classe média e outros eventos de destaque na cidade. O Foto Ceará era muito procurado pela clientela jovem, pois seus retratos 3x4 era de muito boa qualidade e necessários à obtenção da carteira de estudante do seu Colégio e a Carteira do Centro Estudantil Cearense que proporcionava meia entrada e meia passagem nos ônibus da cidade. Meu pai trabalhava em todas as posições: fotografava no estúdio, revelava, fixava, cortava, , ampliava, fazia reportagens, atendia no balcão, vendia seus produtos. Ele conhecia muito bem a profissão. No seu tempo, a tecnologia das máquinas fotográficas estava apenas evoluindoDa máquina tipo “caixão” para a linha “flex”- e os filmes já não tinham só 12 fotos, mas 24 e 36. O “flash” de magnésio já evoluíra para lâmpadas eletrônica descartáveis. Seus amigos do ramo, eram na Aba Film o sr. Antônio Albuquerque; no Foto Ideal, seu cunhado Raimundo Vale; no Foto Sales, o Salim, e no Foto Brasil, o Severino. Eram poucos os Fotos em Fortaleza, por isso a demanda era muito bem equilibrada, dava para todos ganharem. Meu pai nasceu em Granja – CE, em 26 de maio de 1906, e faleceu em Fortaleza em 25 de outubro de 1965, aos cinquenta e nove anos, cinco meses e um dia.

JOÃO BOSCO CAMURÇA – Oficial do Exército.
Texto publicado no Jornal do Leitor / O POVO, DOMINGO, 3 JANEIRO 1999.